O que são os dons do Espírito Santo
Os dons do Espírito Santo são hábitos sobrenaturais infundidos nas potências da alma (no momento do Batismo), para (dispô-la) a receber e secundar com facilidade as moções do próprio Espírito Santo.
Em primeiro lugar, ordenam-se a receber a moção divina, e neste sentido podem ser considerados como hábitos receptivos ou passivos. Porém, ao receber a divina moção, a alma reage vitalmente e a auxilia com facilidade e sem esforço graças aomesmo dom do Espírito Santo, que atua neste segundo aspecto como hábito operativo. São, portanto, hábitos passivo
-ativos, a partir de distintos pontos de vista.
Sete são os dons do Espírito Santo, segundo Isaías (XI, 2-3), a saber: de entendimento, de sabedoria, de ciência, de conselho, de fortaleza, de piedade e de temor de Deus, dos quais, os quatro primeiros pertencem à perfeição do entendimento, e os outros três à perfeição da vontade".
Distinção entre virtudes e dons
Deus dá, juntamente com a graça santificante, todos esses dons. Concede-nos, porém, a casa um em determinada medida. Só a Maria, por assim dizer, os deu sem medida. Passemo-lo brevemente em revista.
A plenitude dos dons de Maria
- Dom do conselho
Nossa Senhora do Bom Conselho Genazzano (Itália) |
O dom do conselho aperfeiçoa a virtude da prudência, fazendo-nos julgar prontamente e com segurança, por uma espécie de intuição sobrenatural, acerca do que convém fazermos, especialmente nos casos difíceis, O objeto próprio do dom de conselho é a boa direção das ações particulares.
Admirável foi esse dom em Maria, que é chamada pela igreja a Mãe do Bom Conselho. Com efeito, a alma de Maria esteve sempre voltada para Deus, de quem recebia com sua facilidade todas as aspirações, motivo por que a Ela, mais de que a qualquer outro Santo, se podem aplicar as palavras: Tua proteção será o bom conselho e a prudência te salvará (Prov. II, 11).
Mas foi especialmente em duas circunstâncias que Maria Santíssima deixou conhecer o modo eminente em que possuía esse dom precioso.
Isto aconteceu, primeiro, em sua apresentação no Templo, quando, por inspiração divina, soube ser coisa agradável a Deus que Lhe fosse consagrada, desde a infância, pelo voto de perpétua virgindade. Em segundo lugar, foi em sua Anunciação, quando, ao ser saudada pelo Anjo como cheia de graça, e ao ser pedido seu consentimento para o cumprimento da Encarnação, se dirigiu ao Núncio celeste para saber dele quais eram as disposições divinas a seu respeito e, conhecidas estas, se ofereceu totalmente, como serva, ao Senhor.
- Dom da piedade
O dom da piedade aperfeiçoa a virtude de religião, que é anexa à justiça e produz no coração um afeto filial para com Deus e uma terna devoção às Pessoas e às coisas divinas, para fazer-nos cumprir com santa presteza os deveres religiosos.
Se nos fosse dado penetrar com o olhar íntimo de Maria, ficaríamos maravilhados com os sentimentos de filial afeto para com Deus, nEla inspirados pelo dom de piedade. Este levou Maria menina a dedicar sua atividade ao serviço do Templo, que Ela, com a mesma terna piedade, venerava por cima de todas as coisas materiais. Foi o dom de piedade que Lhe inspirou uma veneração especial pela Sagrada Escritura, como pelas palavras pronunciadas por seu Filho Jesus, as quais conservava todas em seu coração.
Na alma da Imaculada, tudo cantava a Deus sem resistência alguma, numa perfeita harmonia de suas potências e de todos os seus atos, ao sopro do Espírito Santo. Sua plenitude de graça e de santidade, sua total correspondência às mais leves inspirações divinas, seu desejo único de glorificar a Deus, fizeram da Virgem Maria, o mais belo templo vivo da Santíssima Trindade. Maria é a criatura que mais glória deu ao Senhor.
- Dom de fortaleza
O dom da fortaleza aperfeiçoa a virtude de mesmo nome, dando à vontade um impulso e uma energia que a tornam capaz de operar e de sofrer animosa e intrepidamente grandes coisas, superando todos os obstáculos.
Se considerarmos, de um lado, a grandeza da obra a realizar-se, a que Maria fora predestinada por Deus e, de outro lado, as inumeráveis dificuldades que Lhe competia afrontar, não por parte da carne, pois era imaculada, mas por parte do demônio e do mundo, veremos que teria havido motivo justo para Ela perder a coragem, se houvesse sido deixada entregue a suas próprias forças. Como poderia jamais uma criatura, santa sim, mas débil por natureza achar tanta coragem para realizar uma obra tão árdua e para vencer inimigos tão feros? Na graça de Deus, por Jesus Cristo, responde São Paulo.
Sim, por meio da graça que Lhe será dada quase sem medida pelos méritos de Jesus Cristo, seu Filho, Maria vencerá todas as dificuldades, todo perigo e cumprirá a árdua empresa de cooperar com Cristo no resgate do gênero humano. Essa graça a tornará inarredável, qual rochedo em meio de um mar tempestuoso, e fará com que Ela repouse em Deus como uma criança nos braços maternos.
- Dom do temor
O dom do temor aperfeiçoa ao mesmo tempo a virtude da esperança e a virtude da temperança, fazendo-nos temer desagradar a Deus e sermos separados dEle; a virtude da temperança, apartando-nos dos falsos deleites que nos poderiam levar a perdermos Deus.
É um dom, portanto, que inclina a vontade ao respeito filial de Deus, nos afasta do pecado que Lhe desagrada e nos faz esperarmos em seu poderoso auxílio.
Não se trata, pois, daquele medo de Deus que nos inquieta quando nos lembramos de nossos pecados, nos entristece e perturba. Nem se trata do temos do Inferno (Também chamado temor servil, que nos leva a evitar a culpa por medo do castigo), que basta esboçar uma conversão, porém não basta para dar acabamento à nossa santificação. Trata-se do temor reverencial e filial, que nos faz recear toda ofensa a Deus (ainda que esta não acarretasse nenhuma pena ou castigo).
Grande foi, na realidade, o temor de Maria, porém não foi nada servil. Com efeito, cheia como era da graça divina e tão pura, tão santa, que castigo poderia jamais temer? Nem ao menos houve propriamente nEla aquele temor chamado casto, o qual considera a possibilidade e o perigo de perder Deus com o pecado, pois sabia que, por uma assistência especial do Espírito Santo, não podia perder a graça. Pelo que o temor de Maria, à semelhança do temor de que esteve oprimida a própria alma de Cristo, era um temor reverencial, produzido por um sentimento vivíssimo da majestade infinita de Deus e de seu infinito poder.
- Dom da ciência
Resta-nos considerar os três dons intelectuais: de ciência, de inteligência e de sabedoria. O dom da ciência nos faz julgar retamente das coisas criadas em suas relações com Deus; o dom de inteligência nos descobre a íntima harmonia das verdades reveladas; o dom da sabedoria nos faz julgar apreciar e gostar das coisas divinas (reveladas). Todos os três tem de comum que nos dão um conhecimento experimental, ou quase, porque nos fazem conhecer as coisas divinas não por via do raciocínio ou reflexão, mas por meio de uma luz superior que no-las faz atingir como se delas tivéssemos a experiência.
A ciência de que se fala é a ciência filosófica ou teológica, mas é chamada ciência dos Santos, que nos faz julgar santamente das coisas criadas em suas relações com Deus. Pode, pois, definir-se o dom de ciência como aquele que, sob a ação iluminadora do Espírito Santo, aperfeiçoa a virtude da fé, fazendo-nos conhecer as coisas criadas em suas relações para com Deus.
O objeto do dom de ciência são, portanto, as coisas criadas enquanto nos conduzem a Deus, do qual todas provêm e pelo qual todas são conservadas. Elas são como degraus para se subir até Ele.
A Mãe de Jesus possuía em grau eminente o (dom) de ciência, que A ajudava a distinguir o bem do mal nas criaturas com as quais tratava diariamente. Deus A havia conservado virgem, imaculada. Jamais havia experimentado do mal. Passou pela Terra como puríssimo reflexo de Deus.
E, sem embargo, nenhuma outra criatura julgou com tanta segurança acerca do pecado. Ela percebia o mal com infalível instinto divino. O Espírito Santo A esclarecia e ilustrava a respeito de tudo.
Mãe de um Deus Salvador, seu amor Lhe fazia sentir a bondade e a malícia de todos os homens, seus filhos (...) Ela conheceu todos os nossos sentimentos humanos, sublimados pelo amor divino. O coração de Maria envolvia, numa mesma ternura de Mãe, a seu Filho Jesus e à multidão de seus filhos adotivos.
Passeou pela criação maravilhando-se ao descobrir nela, a cada passo, um reflexo dos esplendores do Verbo (...) Homens e coisas apareciam a seus olhos iluminados pela claridade de Deus e, por contraste, distinguia também perfeitamente a sombra do Mal. (...)
Nenhuma criatura possuiu como Ela a ciência dos Santos, o conhecimento do bem e do mal, das possibilidades de queda e de ressurgimento contidas em nossa liberdade, Com sua translúcida fé, julgava de modo perfeito, o encadeamento das causas segundas no universo, à luz da ciência de Deus.
- Dom da inteligência
O dom da inteligência se distingue do de ciência, porque seu objetivo é muito mais vasto: não se restringe só às coisas criadas, mas se estende a todas as verdades reveladas. Além disso, seu olhar é mais profundo, fazendo-nos penetrar (Intus legere - ler dentro) no significado das verdades reveladas. Não nos faz, é certo, alcançar os mistérios da fé, mas nos faz compreender que, não obstante sua obscuridade, são críveis, que se harmonizam bem entre si e com o que há de mais nobre na razão humana. E com isso se confirmam os motivos de credibilidade.
Mater Boni Consilii |
Que a Santíssima Virgem teve de modo esplendidíssimo o dom da inteligência, consta de que penetrou clarissimamente as coisas que são de fé, na medida do possível a uma alma nesta Terra. E conheceu por abundante experiência, como, por exemplo, que Ela, Virgem, concebeu a Deus; que Deus se fez homem; que Deus é um em essência e trino em pessoas; que o Filho de Deus é Deus e homem em unidade de pessoa. Conheceu também a suma dignidade de sua divina maternidade e a eminência de suas graças, a admirável economia da Redenção humana e a parte que Ela teve por beneplácito divino naquela laboriosa obra. Coisas todas que percebeu Ela com a conaturalidade e afetuoso espírito próprios da Mãe de Deus e cooperadora da Redenção.
- Dom de sabedoria
O dom de sabedoria, o mais perfeito dos três dons intelectuais do Espírito Santo, aperfeiçoa a virtude da caridade e reside, ao mesmo tempo no intelecto e na vontade. Este dom compendia todos os demais, como a caridade compendia em si todas as outras virtudes.
Pode-se definir, pois, como um dom que, aperfeiçoando a virtude da caridade, nos faz discernir e julgar relativamente Deus e as coisas divinas segundo seus mais altos princípios, e nos dão disso o sabor.
Que a Bem-aventurada Virgem Maria obteve em alto grau o dom da sabedoria, belamente o atesta Dionísio o Cartuxo: "Assim como Maria foi, depois de Cristo, inefavelmente mais santa que todos os Santos, assim também no dom de sabedoria foi maior, mais perfeita e mais esplêndida que nenhum outro.
Experimentou e saboreou mais que todos com o paladar da menrte e de modo inestimável, secretíssimo, suavíssimo, freqüentíssimo e exuberantíssimo, quão suave é Deus, quão bom o Deus de Israel para os retos de coração, quão bom o Senhor para os que esperam nEle, para a alma que O busca; quão imensa a sua doçura, quão verdadeiramente é o Deus escondido, mais secreto que todos os mistérios, que brilha candidissimamente e se manifesta à alma purificada com paternal mercê, clemência e abundância para contemplá-Lo e degustá-Lo. (...)
O Espírito Santo, com os sete dons, repousou no coração de Maria com inenarrável plenitude, e com o dom de sabedoria A ornou de incomparável formosura. Mais ainda. A pureza de coração dispõe em grande medida para o aumento e complemento da sabedoria. Na alma malévola não entrará a sabedoria, etc. Dado que a Virgem Maria resplandeceu com tão grande pureza e santidade, que depois de Deus não se pode conceber maior, compreende-se que a Sabedoria incriada se transladasse e se infundisse abundantissimamente na alma de Maria, e nEla o dom de sabedoria fizesse progressos tão indizíveis de modo incomparável nesse dom esta eminente Mãe da Sabedoria". (CLÁ DIAS, JOÃO. Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado. Artpress. São Paulo, 1997, pp. 477 à 481)